sábado, 21 de julho de 2018

Point de Vista: Raio Negro (série)


Saudações a todos. Como estão? Espero que bem!

Hoje inicio um novo quadro aqui no Point Games Brasil, chamado Point de Vista. Será um espaço livre para abordar temas de áreas distintas do universo gamer, como séries, filmes, ou mesmo vida e comportamento. Literalmente, tudo. O Point é em essência um site voltado a jogos, mas por vezes sinto que poderia compartilhar opiniões e conhecimento relevantes sobre outras áreas. Pensando nisso criei esta categoria.

E para "começar os trabalhos", vamos conversar sobre Raio Negro, a série live action da DC Comics que, mesmo abordando um super-herói não tão conhecido, tem grande potencial para ser uma das melhores obras televisivas da atual safra de adaptações de personagens de HQs.

O texto continua depois do skip.


Raio Negro é a ducha de água fria que precisávamos frente ao formato "novelão" que o gênero vem tomando nos últimos tempos. Antes de assisti-la, meus últimos contatos com séries de super-herói foram com as produções da parceria Marvel/Netflix, em especial Defensores e Justiceiro. Ambas seguem uma marcha de roteiro criada e muito bem executada em Demolidor, mas que tornou-se mal aproveitada e cansativa conforme fora reutilizada nas demais séries da Casa das Ideias: um roteiro contínuo, com um único plot que se desenvolve ao longo da temporada toda, conforme novas informações são apresentadas ao telespectador no decorrer dos episódios, em meio a longos diálogos de pura encheção de linguiça que não leva a lugar nenhum, e confrontos físicos significativos apenas no início e fim das produções. Já esta série da DC joga num gramado diferente e aproveita o estilo "family-friendly" que séries como Máquina Mortífera ou Castle utilizam para contar suas histórias: cada episódio apresenta um plot próprio, e a conexão destes é que faz a história principal progredir. Existe, claro, uma trama maior que é seguida por toda a temporada e finalizada ao final da mesma. Mas a estratégia de inserir um "problema" diferente a cada capítulo que sirva de apoio para o desenvolvimento dos personagens e para o avanço da história sem precisar preencher tempo de tela com diálogos vazios é que é o grande chamariz da série, culminando num formato que a faz brilhar e se destacar perante as demais do gênero.


Quem cresceu assistindo Super-Choque vai simpatizar com Raio Negro já nos primeiros episódios da produção, e eu não estou dizendo isso por causa da semelhança de poderes entre os personagens. Na verdade, o que cria essa afinidade entre as obras é sua ambientação, a maneira como os personagens enfrentam seus problemas individuais e a forma como a lição é transmitida, simultaneamente, ao personagem em aprendizado e ao espectador. Dilemas como preconceito, racismo, drogas e "pessoas queridas que perdem o rumo na vida" são inerentes à série. Não brotam na tela quando o roteiro necessita, mas fazem parte da vida e convivência dos personagens com a realidade onde se encontram, de forma a não serem deixados de lado por momento algum. Já nos primeiros minutos, a insubordinação da filha do protagonista, Jennifer Pierce (intepretada por China Anne McClain) que escolhe mentir para sua irmã mais velha e ir à festa no clube mais perigoso da cidade, mas que, ao perceber que se encontra em perigo, tenta escapar, nos remete a Virgil, de Super-Choque, quando foi às docas mesmo sendo advertido do perigo daquele lugar, e que posteriormente percebeu que havia se metido em uma enrascada quando um colega lhe deu uma arma de fogo, momento em que tentou fugir e, assim como Jennifer, também não conseguiu.


No desenho animado, o pai de Virgil, sr. Robert Hawkins, realizava atividades e campanhas de apoio aos jovens da comunidade para incentivá-los a não fazerem escolhas erradas em suas vidas, tal qual o protagonista da série, Jefferson Pierce (que ganha vida através do ator Cress Williams) busca dioturnamente fazer no posto de diretor da Escola Garfield. Sua ex-esposa, Lynn Stewart (interpretada por Christine Adams) que também é mãe de suas filhas, exerce seu papel com maestria, corrigindo as garotas com pulso firme quando necessário e frequentemente repreendendo o ex-marido por sua atividade como super-herói. Como uma boa mãe, preocupa-se ao extremo com o bem-estar de todos à sua volta, e está sempre disposta a acalentar as dores de todos, mesmo que isso custe sua própria tranquilidade. Já a filha mais velha, Anissa (interpretada por Nafessa Williams) serve como suporte aos altos e baixos do relacionamento da família, de forma a manter o time unido sempre que possível, mas eventualmente fazê-lo ruir, obviamente que neste caso não é de forma intencional.

E falando em intenção, a série abraça o telespectador ao abordar de forma leve, mas real, a questão dos erros que todos nós humanos cometemos. Praticamente nenhum personagem do núcleo central da obra escapa de cometer algum deslize relacionado à confiança, caráter ou honra. Assim como em nossas vidas, muitas vezes erramos tentando fazer o certo, magoamos na intenção de agradar. Poucos roteiros conseguem ter a sensibilidade de transmitir isso ao telespectador, de fazê-lo se identificar com algo pelo que tenha passado em sua vida ao ver o desdobramento das interações dos personagens. E Raio Negro realiza este feito, inúmeras vezes, de forma magnífica.


Fora do elenco principal, isto também acontece, mas de um jeito diferente. Ao expôr o telespectador à dura realidade do subúrbio desde os primeiros minutos de tela, o show consegue fazer com que aqueles que o assistem partilhem do sentimento de indignação não com o moleque que dispara a arma, mas com o contexto onde ele vive, de abandono e descaso, que o deixou daquele jeito. Com exceção do vilão principal, Tobias Whale (em interpretação singular de Marvin "Krondon" Jones III), há poucos personagens que o telespectador irá "odiar". Desta forma, a série vai além de "querer enfiar um ideal de compaixão goela abaixo do telespectador", brilhando na tarefa de realmente inserir quem a assiste em uma realidade nada confortável e fazê-lo sentir o drama daquele mundo e dos que nele vivem.


A junção de todos esses aspectos que mencionei permite que Raio Negro seja, sim, uma série para a família. Há cenas de assassinato explícito, mas as mesmas não contam com violência gráfica ou sangue exagerado. São momentos intensos, que chocam o telespectador pela maneira fria e súbita com que acontecem. Porém, servem mais para transmitir veracidade àquela ambientação e intensificar a inserção do espectador naquela realidade, do que propriamente para exibir entranhas ou outras formas gratuitas de agressão. E não é como se a molecada não conhecesse Dragon Ball ou Naruto, que apresentam desmembramentos frequentes. Num mundo cada vez mais precoce, o conjunto da obra e as reflexões e lições que ela apresenta fazem com que esta seja uma opção interessante de entretenimento sério, porém ainda leve, que a família possa curtir junta na sala.

Algo que torna a série ainda mais rica é a atenção aos detalhes. Cada personagem possui trejeitos próprios, ou "cacoetes", expressados mediante determinadas situações. Por exemplo: o vilão Tobias Whale, após agredir alguém, sempre dá um rápido sacode em suas roupas a fim de realinhá-las, demonstrando que, mesmo portando uma crueldade visceral, o personagem é vaidoso e preza por sua elegância, não querendo ser menos respeitado por aqueles que estão ao seu redor ao ser visto vestido de forma desleixada. Já Jennifer curva os olhos para cima toda vez que é corrigida ou contrariada, traço típico de uma adolescente e que transmite uma reação incrivelmente realista da irritação que uma repreensão causa em alguém daquela idade. São detalhes que podem passar despercebidos para alguns espectadores, mas que enriquecem o aproveitamento da obra como um todo, mesmo para quem não os repara.


Outro diferencial de Raio Negro em relação à grande maioria dos contos de super-heróis, é que aqui temos um super-herói adulto com uma gama de preocupações e problemas totalmente diversa dos demais benfeitores mascarados das HQs. A ocupação profissional do protagonista Jefferson Pierce não é manter um "bico" subsalariado numa enorme corporação, preocupando-se apenas com as contas a pagar, mas coordenar toda uma escola, dando atenção especial a cada aluno individualmente, agindo como professor, psicólogo, assistente social e até pai em algumas situações. Seu relacionamento amoroso não se limita a conquistar a donzela e chegar no encontro na hora marcada, ao invés disso ele procura reatar os laços com a mãe de suas filhas e única mulher que considera amar de verdade, da qual nunca desistiu em meio aos contratempos e divergências. Outros heróis adultos como Homem De Ferro e Batman dispõem de vastas fortunas que custeiam seu arsenal e numerosos funcionários que gerenciam seus negócios e limpam sua sujeira. Por outro lado, sujeitos como Wolverine ou Frank Castle sequer têm uma vida particular, dedicando-se integralmente às atividades de repressão aos inimigos. Nesse sentido, o herói que Jefferson é torna-se crível por ser o herói que nós seríamos em nossas vidas reais, caso tivéssemos poderes: alguém com dilemas reais, que passa perrengues, se desdobra feito louco para conciliar todas as inúmeras tarefas do dia-a-dia, precisa de pessoas para contar e tem pessoas que contam com ele, não é dono de uma megacorporação e muito menos dispõe de recursos financeiros quase ilimitados para esbanjar sempre que é necessário.


Nesse sentido, Raio Negro é uma série singular. Acerta no tom do roteiro, bem balanceado entre o leve e o pesado. Acerta na marcha de roteiro, sempre expondo o telespectador a situações interessantes e úteis, que fazem a história andar. Gera identificação entre a obra e quem a assiste, por representar uma realidade dura e personagens com problemas reais, mesclado com situações leves, onde o amor e a amizade das pessoas queridas tornam aquela situação suportável e vencível. Transmite humanidade ao apresentar personagens que falham, que erram, mas que sempre dão seu melhor, e nunca deixam de tentar. Para as demais séries de super-heróis que assisti, eu recomendaria cada uma a um tipo de pessoa, a um amigo diferente, baseando-me nos gostos que cada um tem. Já Raio Negro eu recomendo a todos, pois é uma série completa e com certeza qualquer espectador irá se divertir com a narrativa e extrair algo de bom da obra apresentada.

Raio Negro está disponível na Netflix.
Veja dublado. A dublagem está ótima. Direção de Marco Ribeiro, que também dubla o vilão Tobias; Márcio Simões no protagonista; demais atores muito bem representados por dubladores gabarito como Adriana Torres, Roberta Nogueira, Duda Ribeiro, Ronaldo Júlio, Júlio Chaves, Ricardo Juarez e mais.
A segunda temporada tem estreia prevista para 09 de Outubro de 2018.


Por hoje é isso! Espero que tenham gostado do novo quadro do Point. O site continua sendo sobre games, não se assustem! Mas é bom respirar ares diferentes de vez em quando. Nos vemos na próxima, fui!

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